Inversão do Ônus da Prova

A teoria sobre a inversão do ônus da prova no Processo do Trabalho visa equilibrar a relação trabalhista, transferindo-se assim, o ônus da prova que seria do empregado ao empregador.  A CLT, não trata expressamente da inversão do ônus da prova, contudo, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, o Juiz passou a ter um respaldo legal para solucionar os conflitos e tentar equilibrar a diferença existente entre as partes que compõem a relação laboral. Isso porque o art. 6º, VIII do CDC poderá ser utilizado e aplicado de forma subsidiária para solucionar a hipossuficiência ou verossimilhança da alegação.

A regra geral de divisão do ônus da prova é que o reclamante deve provar os fatos constitutivos do seu direito e o reclamado os fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor, em determinadas situações, existe a possibilidade de o Juiz inverter esse ônus, ou seja, transferir o encargo probatório que pertencia a uma parte para a outra. Desse modo, se ao autor pertence o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito, ele se transfere ao réu, ou seja, o réu deve comprovar a inexistência do fato constitutivo do direito do autor. Dessa forma, a jurisprudência vem admitindo a inversão do ônus da prova no processo do trabalho por presunção favorável ao trabalhador, especialmente nos casos de jornada de trabalho, como se infere da Súmula 338 do TST.

Bezerra Leite (1- EITE, Carlos Henrique Bezerra, Manual de Processo do Trabalho 1º ed. Atlas 2014) defende uma posição mais progressista a respeito da inversão do ônus da prova no sentido de que esse instituto pode ser adotado no processo do trabalho, tanto pela aplicação analógica do artigo 6º, VIII do CDC, quando em especial à benefício do empregado, pois este, de modo semelhante ao consumidor, também pode estar em situação de hipossuficiência, como também pela autorização do artigo 852-D da CLT e combinado com o artigo 769, da CLT.

A aplicação da norma consumerista no processo laboral se justifica pela adoção da teoria do diálogo das fintes normativas em função da idêntica necessidade de efetivação do direito fundamental de acesso à justiça e ao processo justo, tanto para o consumidor, quanto para o trabalhador, pois ambos são hipossuficientes e vulneráveis na relação jurídica (material e processual).

A hipossuficiência indicada no caso do trabalhador não é apenas a econômica, mas também probatória, pois na maior parte dos casos, o empregador é quem controla os meios capazes de demonstrar a veracidade dos fatos, já que ele é dono do empreendimento, detém o poder diretivo e o controle dos demais empregados que lhe são subordinados, bem como dos documentos inerentes ao contrato de trabalho, como por exemplo, FGTS e recolhimentos previdenciários.

Na justiça do trabalho há uma tendência baseada na maior fragilidade do empregado nas relações de emprego que tenta atribuir maior ônus de prova ao empregador e que esbarra no princípio da isonomia das partes do processo, pois sabe-se que, o critério da igual distribuição do ônus da prova, nem sempre atende as necessidades do processo trabalhista, pois sobrecarrega o empregado que não tem as mesmas condições e facilidades do empregador.           

O juiz do Trabalho, como reitor do processo (artigo 765, da CLT), deve ter a sensibilidade, à luz das circunstâncias do caso concreto, de atribuir o encargo probatório ao litigante que possa desempenhá-lo com maior facilidade. A doutrina e jurisprudência vêm destacando a importância da utilização da inversão do ônus da prova de forma a possibilitar o equilíbrio na relação jurídico-processual trabalhista. Na maioria das vezes, em razão do alto custo da prova/perícia ou da dificuldade de obtenção por causa da subordinação/dependência do empregador, a parte autora não tem condições de produzir prova para sustentar sua alegação, inviabilizando-se assim, o próprio direito pleiteado e afastando o ordenamento jurídico do seu principal objetivo que é o alcance da justiça.

Embora não haja previsão expressa na CLT acerca da possibilidade de inversão do ônus da prova pelo Juiz do Trabalho, deve este valer-se da aplicação subsidiária do disposto no artigo 6°, VIII do Código de Defesa do Consumidor – que estabelece a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, quando a critério do juiz for verossímil sua alegação ou quando for ele hipossuficiente – em atenção ao que permite o artigo 769 da CLT.   A inversão do ônus da prova tem uma tendência mundial do processo de majoração dos poderes do Juiz na direção do processo, objetivando que os litigantes sejam tratados com isonomia real e que a justiça seja implementada com maior efetividade. Não se trata de arbítrio do juiz, pois o mesmo terá que justificar com argumentos jurídicos, sob crivo do contraditório, diante das circunstâncias do caso concreto, a aplicação da carga dinâmica da produção da prova. 

Vale citar a Jurisprudência sobre o assunto:

TRT-20 Recurso Ordinário RO 824006120095200006 SE 0082400-61.2009.5.20.0006 (TRT-20) Data de publicação: 22/09/2010 -Ementa:RELAÇÃO DE EMPREGO – ALEGAÇÃO, PELO RECLAMADO, DA REALIZAÇÃO DE CONTRATO DE EMPREITADA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – DESINCUMBÊNCIA – NÃO RECONHECIMENTO. Tendo o reclamado comprovado fato impeditivo à configuração dos direitos autorais, consistente na realização de contrato de empreitada para a execução de uma edificação de sua propriedade, impõe-se o não-reconhecimento da relação típica de emprego, nos moldes exigidos pelos arts. 2º e 3º da CLT.

TRT-16 541200700616003 MA 00541-2007-006-16-00-3 (TRT-16). Data de publicação: 08/03/2010 – Ementa:RELAÇÃO DE EMPREGO. NEGATIVA DO VINCULO. RECONHECIMENTO DE PRESTAÇÃO LABORAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. À luz da distribuição do ônus da prova, a reclamada, ao negar a relação de emprego e admitir a prestação de trabalho de outra natureza, opõe fato modificativo ao direito postulado (art. 818 CLT, c/com art. 333, II, CPC), provocando a inversão do ônus da prova, ou seja, traz para si o ônus de provar essa nova relação. Em não se desincumbindo de tal mister, tem-se por verdadeiro o vínculo laboral apresentado pela autora. Recurso conhecido e não provido.

Embora existam regras atinentes à distribuição das provas entre as partes, a doutrina e jurisprudência vêm admitindo a denominada inversão do ônus da prova, transferindo a prova que inicialmente seria do obreiro para a empresa, com o claro intuito de proteger a parte hipossuficiente da relação jurídica trabalhista. O Tribunal Superior do Trabalho admite a inversão do ônus da prova na hipótese de registro de horário para fins de comprovação de horas extras, desde que haja determinação judicial para apresentação dos controles de frequência e que a empresa não atenda o comando judicial conforme o previsto na Súmula 338.

Em matéria de prova, não é o procedimento que vai impedir o juiz de dirigir o processo em busca da verdade real, mas sim a promoção da real paridade de armas dos litigantes, levando em conta as verdadeiras dificuldades enfrentadas pela parte mais vulnerável na relação jurídica processual trabalhista, no caso, o trabalhador. No processo trabalhista verifica-se a importância da inversão do ônus probatório, tornando assim, o acesso à justiça laboral mais concreta, efetiva, célere e justa na relação processual. Para isso, deve ser feita a aplicação supletiva no processo trabalhista da inversão do ônus probatório presente no Código de Defesa do Consumidor.  Dessa forma, objetivando assim, proteger a parte hipossuficiente da relação jurídica trabalhista, bem como, viabilizar a tutela do direito que a parte tem razão, mas que apresenta condição desfavorável de produzir prova do fato constitutivo do direito e, assim, o magistrado poderá atribuir o encargo probatório à parte que tem melhor condição de produzir prova.

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